Campo Grande (MS), Domingo, 19 de Outubro de 2025

Política / Justiça

A última tentação do Supremo: julgamento sobre “desinformação” expõe risco de ruptura entre Poderes

Ao considerar criminalizar fake news por via jurisprudencial, STF se aproxima de uma fronteira perigosa para a democracia brasileira

19/10/2025

07:45

DA REDAÇÃO

©DIVULGAÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Penal 2.694, que envolve os sete réus do chamado “núcleo de desinformação” — um dos grupos acusados de participar da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) atribui ao grupo uma “guerra informacional” destinada a atacar o sistema eleitoral e desacreditar instituições, com o objetivo de criar um ambiente de instabilidade que teria culminado na invasão das sedes dos Três Poderes.

As acusações formais são graves: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada e dano qualificado. Cabe à Primeira Turma do STF avaliar se os fatos e provas apresentados pela PGR sustentam as denúncias.

A fronteira entre a lei e a jurisprudência

O que desperta preocupação, contudo, é o alcance da argumentação apresentada pelo procurador-geral Paulo Gonet, que parece ir além do campo legal tradicional ao propor a criminalização da “desinformação”.
A tese sustenta que a disseminação de mentiras sobre o sistema eleitoral teria sido instrumento essencial da tentativa de golpe.

No entanto, não existe no Código Penal brasileiro nenhum tipo específico que defina “desinformação” ou “fake news” como crime. Punir condutas que ainda não foram tipificadas pelo Congresso Nacional seria uma violação direta ao princípio da legalidade, pilar do Estado de Direito segundo o qual ninguém pode ser condenado por um crime não previsto em lei.

Competência do Legislativo

A prerrogativa de criar novos tipos penais pertence exclusivamente ao Poder Legislativo, o espaço legítimo para o debate democrático sobre os limites entre liberdade de expressão e responsabilidade penal.
O PL das Fake News, que tenta estabelecer regras para o combate à desinformação nas plataformas digitais, permanece em discussão no Congresso, justamente pela complexidade e pelas implicações sobre direitos fundamentais.

Se o Legislativo, com toda sua representatividade, ainda não chegou a um consenso sobre o tema, é ainda mais temerário delegar essa decisão a cinco ministros do STF, sem debate público nem base legal definida.

Risco institucional

Alguns ministros, porém, defendem a ampliação do entendimento jurídico. Em maio, ao aceitar a denúncia contra os réus, o ministro Flávio Dino afirmou que as “fake news” poderiam ser consideradas uma “violência gravíssima”, com efeitos “similares a uma facada ou a um tiro”, reconhecível “pela via legislativa ou pela via jurisprudencial”.
A proposta foi acompanhada por Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, sinalizando uma tendência dentro da Primeira Turma.

Contudo, especialistas alertam que criar tipos penais por jurisprudência seria uma forma de usurpar as competências do Congresso, fragilizando o equilíbrio entre os Poderes e a própria separação constitucional de funções.

Liberdade e tentação

Se o STF condenar os acusados com base nos crimes já previstos em lei, estará cumprindo seu papel constitucional.
Mas, se abrir precedente para condenações baseadas em um conceito fluido e não tipificado como “desinformação”, poderá inaugurar um caminho perigoso para o controle de narrativas e opiniões.

Hoje, o alvo é quem espalha mentiras sobre o sistema eleitoral.
Amanhã, pode ser qualquer cidadão cuja opinião seja classificada como “ilícita” por interpretação judicial.

Por mais tentador que pareça criminalizar a desinformação, fazê-lo sem lei aprovada pelo Congresso representa um risco direto à liberdade de expressão e à própria democracia.


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