Artigo
Que filme Oriental é esse?
14/09/2025
10:00
WILSON AQUINO
WILSON AQUINO*
Em junho deste ano, a imigração japonesa em Campo Grande completou 117 anos. Os primeiros chegaram em 1909, vindos para trabalhar na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Desde então, sua cultura passou a fazer parte da identidade da cidade, enriquecendo-a em vários aspectos, especialmente por meio da sua culinária. Hoje, com muito orgulho, temos a terceira maior comunidade japonesa do Brasil, o que revela a força dessa presença no Mato Grosso do Sul e no país.
Minha primeira lembrança com essa cultura, curiosamente, não veio dos livros nem do convívio com famílias de origem japonesa. Ela nasceu do cinema. Eu tinha apenas oito anos, em meados da década de 1960, quando assisti a um filme em preto e branco numa sala de exibição em Corumbá, minha cidade natal. Naquele tempo, a televisão ainda não havia chegado por lá, e aquela sessão marcou para sempre o coração de um menino que descobria a beleza e a intensidade da alma oriental. O título do filme? Não tenho a menor ideia.
Porém, me lembro muito bem da trama, que narrava a história de uma princesa japonesa que vivia em um castelo rodeado de esplendor. Seu lugar favorito era o jardim real, repleto de flores, árvores frondosas e pássaros que pareciam cantar para ela. De rara beleza e delicadeza, a jovem corria entre as flores perseguindo uma borboleta, até cair, acidentalmente, em um chafariz. Molhada e vulnerável, torcia o vestido quando foi surpreendida por um jovem aventureiro e irreverente que invadira o jardim, por pura curiosidade. Apavorada, gritou, atraindo guardas e criados, que o prenderam após uma perseguição cinematográfica. Mas o destino mudaria suas vidas: havia um voto de que o primeiro homem a vê-la despida seria seu marido, o homem de sua vida. Tocada por esse juramento e por um amor nascente, a princesa lutou pela vida do rapaz acusado de ser um ladrão. Ele, por sua vez, descobriu, depois de algumas visitas dela que recebeu na prisão, que também a amava. Assim nasceu um drama de amor impossível, tão comovente quanto Romeu e Julieta, que também terminou em tragédia, mas deixou em minha alma infantil uma marca eterna.
Hoje percebo que talvez minha sensibilidade diante do amor tenha começado naquela tarde distante, numa sala de cinema em Corumbá. Para muitos, foi apenas um filme; para mim, foi a semente de um encantamento pela cultura japonesa, que floresceu com o tempo e se transformou em respeito, admiração e afinidade pelos seus valores de sabedoria, perseverança, beleza e humildade.
A arte japonesa tem essa força: contar histórias simples com uma delicadeza capaz de tocar o coração humano em sua essência. Nos gestos contidos, nos cenários que exaltam a natureza e nos silêncios que falam mais que palavras, o cinema japonês e sua cultura em geral nos ensinam que o amor, a honra e o respeito estão acima das circunstâncias. É por isso que aquela obra marcou tanto minha infância, mesmo sem eu conhecer, à época, a profundidade de seus símbolos.
Esse fascínio aumentou ainda mais quando compreendi que os japoneses levaram sua disciplina e sua cultura muito além das ilhas do Pacífico. No início do século XX, milhares de famílias migraram para diversos países, entre eles o Brasil, trazendo não apenas sua força de trabalho, mas também sua tradição, sua alma e sua capacidade de enriquecer os lugares que os acolheram. Campo Grande tornou-se um dos grandes polos dessa presença nipônica. Suas famílias integraram-se à vida local sem perder o vínculo com suas raízes, deixando um legado de disciplina, respeito e progresso que fortalece a identidade da cidade.
Além da culinária, há também outras marcas dessa presença em nossa terra. As festas típicas, como o Bon Odori, os campeonatos de judô e beisebol, e a valorização da educação e do estudo, são heranças preciosas que a comunidade japonesa trouxe consigo e compartilhou com todos. São contribuições que ultrapassam os limites da tradição e se transformam em valores coletivos, fortalecendo ainda mais a alma sul-mato-grossense.
Entre tantas contribuições, a culinária é uma das mais queridas. Quem, em Campo Grande, nunca se deliciou com um sobá bem preparado? Esse prato, de raízes japonesas, foi incorporado de tal forma ao cotidiano da cidade que hoje é considerado um dos símbolos de sua própria cultura. Cada receita é uma memória afetiva, um laço de amizade entre povos que aprenderam a conviver e a se respeitar.
Ao recordar aquele filme visto aos oito anos, percebo que ele não foi apenas uma história de amor impossível, mas o início de uma jornada interior. A mesma emoção que senti diante da princesa e do jovem aventureiro reencontro hoje na convivência com nossos irmãos japoneses, que entrelaçaram suas vidas às nossas. Assim como no jardim daquela princesa, onde flores e pássaros celebravam a vida, também em Campo Grande floresce o encontro de culturas que nos ensina a viver com mais respeito, beleza e, sobretudo, amor
Obs.: Este Artigo é dedicado à minha colega de trabalho, YONE UEHARA, Gerente Comercial do Jornal Diário da Serra nos anos 70, à sua família e a todas as famílias nipônicas que com trabalho, cultura e amor, fincaram raízes em Campo Grande e ajudaram a florescer sua história.
*Jornalista e professor
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