Campo Grande (MS), Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2025

POLÍTICA

Proibido o uso de celular nas escolas: especialistas defendem medidas adicionais para combater o vício digital

Lei federal é passo importante, mas regulação das big techs é essencial para enfrentar o problema de forma abrangente

24/01/2025

14:00

AGÊNCIA BRASIL

DA REDAÇÃO

©DIVULGAÇÃO

Especialistas das áreas de educação e psicologia reconhecem que a lei federal recém-sancionada que proíbe o uso de celulares pelos estudantes nas escolas é acertada, mas advertem que ela é apenas o primeiro passo no combate ao problema do vício digital que tem afetado a sociedade de uma forma mais ampla.

Na avaliação do pedagogo Paulo Fochi, professor e pesquisador da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) especializado em educação infantil, o banimento dos celulares no ambiente escolar é uma medida de “redução de danos”.

Para atacar o problema na raiz, segundo ele, o necessário são leis que regulem a atuação das big techs, como são conhecidas as gigantes multinacionais que dominam o mundo digital:

— O problema está nas redes sociais, que são deliberadamente desenhadas pelas big techs para serem viciantes. O design do vício faz nosso organismo produzir dopamina [neurotransmissor que gera bem-estar] e sentir que nas redes sociais temos atenção, afeto, amizade e vínculo, sendo que, na realidade, elas não nos entregam nada disso.

Fochi diz que, com o intuito de manter as pessoas conectadas o maior tempo possível e assim lucrar, as empresas se apoiam na produção de fake news, pânico, ódio, intolerância política e violência contra grupos minoritários:

— As big techs faturam com a nossa desinformação. Um sinal claro disso é a alteração das regras de checagem de dados recentemente anunciada pela Meta [empresa dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp], que abre ainda mais espaço para a divulgação de desinformação nas redes sociais. O poder público precisa agir de forma contundente e impor normas para evitar os males que a falta de regulação do mundo digital tem provocado nos indivíduos e na sociedade como um todo.

De acordo com o pedagogo, a inclusão de uma disciplina chamada “educação digital” nas escolas não seria suficiente para fazer frente ao problema:

— A escola pode e deve ensinar as crianças e os adolescentes a compreender o funcionamento da internet, a utilizar os melhores recursos para a aprendizagem, a identificar informações falsas etc. O que a escola não consegue fazer é impedir que o design do vício das redes sociais aja sobre os estudantes, causando fissura e transtornos de diferentes ordens.

Fochi faz uma comparação:

— É como se as redes sociais fossem uma droga, com todo o seu poder viciante. Para resolver ou pelo menos reduzir o problema, o poder público tem que agir sobre quem distribui essa droga e lucra, que são as big techs.

O psicólogo Elton Hiroshi Matsushima, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda que a regulação é uma necessidade urgente:

— Há pouco tempo, o governo criou regras para as empresas que exploram as apostas on-line, protegendo os usuários de alguma forma. Já está na hora de tomar a mesma medida em relação às big techs. É preciso criar grupos de trabalho para estudar a questão e propor as ações mais adequadas para o país, considerando o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Em 2020, o Senado aprovou um projeto do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) que responsabiliza as big techs pela desinformação nas redes sociais. Mais conhecido como PL das Fake News, o texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Por força de um decreto local, o uso dos celulares não é permitido nas escolas municipais do Rio de Janeiro desde o ano passado (Alan Costa/Prefeitura do Rio de Janeiro).

Na avaliação de Matsushima, o poder público também deveria fazer campanhas educativas contra o uso exagerado de celulares, da mesma forma que já fez em relação aos malefícios do cigarro e do álcool e à importância do uso do cinto de segurança.

O psicólogo entende que a lei que proíbe o uso dos celulares nas escolas é positiva por proteger o ambiente educativo da concorrência das redes sociais.

— É uma concorrência desleal — ele explica. — As redes sociais oferecem entretenimento e diversão sob medida e são cuidadosamente desenhadas para sequestrar a nossa atenção. O professor em sala de aula não consegue competir com elas, para o prejuízo do processo de aprendizagem.

Ainda de acordo com Matsushima, a nova lei também tem o mérito de colocar no debate público a disseminação do vício digital:

— Quando os meios de comunicação apresentam o uso excessivo dessas mídias de interação pela internet como problema, acabam gerando algum nível de conscientização entre as pessoas, o que é o primeiro passo para a mudança de comportamento.

A lei que proíbe o uso dos celulares pelos estudantes foi aprovada pelo Senado em 18 de dezembro e assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 13. A medida já vale no ano letivo que se inicia nos próximos dias.

Os telefones deverão ficar desligados e guardados durante toda a permanência na escola. A direção dos colégios deverá tomar medidas para que os alunos não os acessem nem mesmo no recreio e no intervalo entre as aulas.

A norma abrange tanto escolas públicas quanto privadas, da educação infantil ao ensino médio. Nas próximas semanas, o Conselho Nacional de Educação (CNE) deve publicar uma resolução com orientações para os colégios sobre como proceder.

A rigor, trata-se mais de uma restrição ao celular do que uma proibição absoluta. O uso do aparelho estará liberado para os alunos que dependem da tecnologia por terem algum tipo de deficiência ou problema de saúde, como estudantes com diabetes, que usam o dispositivo para o monitoramento contínuo da glicose. O telefone também poderá ser utilizado quando fizer parte de atividades pedagógicas propostas pelo professor.

O senador Alessandro Vieira, que foi relator do projeto de lei que baniu os celulares das escolas, norma, porém, permite uso dos aparelhos ligados à internet em atividades pedagógicas propostas pelos professores (Edilson Rodrigues/Agência Senado e Isabela Carrari/PMS).

O projeto que deu origem à lei foi redigido em 2015 pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS). Após quase uma década em tramitação na Câmara, a proposta chegou no ano passado ao Senado, onde teve o senador Alessandro Vieira como relator.

Favorável à aprovação da norma, o senador citou os resultados da prova de matemática aplicada em 2022 em vários países, incluindo o Brasil, como parte do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Os alunos que usavam celulares e outros dispositivos digitais por mais de cinco horas diárias obtiveram notas bem mais baixas do que aqueles que passavam no máximo uma hora conectados.

“Os efeitos do uso excessivo de celulares e redes sociais por crianças e adolescentes vão além dos resultados acadêmicos, contudo”, escreveu Alessandro em seu relatório. “Questões de saúde mental, como distúrbios de ansiedade, transtornos alimentares e depressão, vêm sendo associadas ao engajamento imoderado desse públicos com os dispositivos digitais, em especial com o uso de redes sociais.”

O senador elencou alguns benefícios decorrentes da restrição:

“Quando proporcionamos aos estudantes um espaço livre do uso intensivo e dispersivo das telas, estimulamos a criatividade e o pensamento crítico, valorizamos a prática esportiva presencial, incentivamos a participação em manifestações artísticas e culturais e, sobretudo, abrimos oportunidades de convívio e de interação olho no olho, essenciais para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais.”

Diversos países proíbem o uso de telefones no ambiente escolar, entre os quais França, Espanha, Itália, Suíça e Finlândia. No Brasil, alguns estados e municípios já têm normas locais prevendo a mesma medida, como o estado de São Paulo e a cidade do Rio de Janeiro.


Principais Destaques:

  • Lei federal que proíbe o uso de celulares nas escolas é sancionada, visando combater o vício digital.
  • Pedagogo Paulo Fochi e psicólogo Elton Hiroshi Matsushima destacam a necessidade de regulação das big techs.
  • Projeto de Lei do Senado (PLS) 154/2017 propõe incentivos para contratação de idosos e combate à invasão de imóveis.
  • Senador Alessandro Vieira apoia a proibição de celulares nas escolas, ressaltando benefícios para o desenvolvimento dos estudantes.
  • Senado aprovou a lei em 18 de dezembro e foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 13 de janeiro.
  • CNE deve publicar resolução com orientações para colégios nas próximas semanas.
  • Norma permite uso de celulares para atividades pedagógicas e para estudantes com necessidades especiais.
  • Educação digital é recomendada, mas não suficiente para combater o vício gerado pelo design das redes sociais.

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